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Por conta do atual contexto de imensa instabilidade causada pela pandemia da Covid-19, famílias de diversas escolas particulares tem solicitado a concessão de descontos nas anuidades.

A discussão já foi mencionada em outros informativos no escritório e vem sendo amplamente divulgada na mídia.

Contudo, entendemos que um ponto relevante do tema merece maior análise e atenção, uma vez que pode gerar expectativas e pedidos descabidos por parte de consumidores e, por outro lado, divulgação indevida de dados estratégicos de instituições de ensino.

Trata-se da discussão sobre a obrigatoriedade das escolas entregarem às famílias uma planilha de custos detalhando números e outras informações relevantes de suas operações. No presente texto, abordaremos a legislação existente sobre o assunto para fundamentar nossa conclusão contrária a esta obrigatoriedade.

 

Conforme informado anteriormente (https://jtadvogados.com/covid-19-novos-atos-sobre-mensalidade-escolar/), através da Nota Pública nº 03/2020, o Ministério Público Federal declarou que “As instituições de ensino estarão obrigadas a fornecer a qualquer consumidor interessado o acesso a planilhas informativas do quantitativo de funcionários, de custos de contratos e de despesas correntes, além dos investimentos alçados para a disponibilização de cátedras de ensino a distância, de modo a assegurar transparência ao consumidor quanto à evolução de despesas e às necessidades de fluxo de caixa da instituição”.

O Procon-SP emitiu nota técnica em 07/05/2020 no mesmo sentido, determinando que as escolas que não concederem descontos durante a pandemia de Covid-19 “terão que apresentar sua planilha de custos, responderão a processo administrativo e poderão ser multadas” (https://jtadvogados.com/covid-19-nota-tecnica-do-procon-se-e-os-descontos-em-mensalidades-escolares/).

Embora referida determinação não tenha remanescido no Termo de Entendimento que o mesmo Procon-SP firmou com o Sieeesp em 11/05/2020 (https://jtadvogados.com/covid-19-novos-atos-sobre-mensalidade-escolar/), ela tampouco foi explicitamente revogada, deixando margens à interpretação sobre a atuação do Procon-SP a respeito da questão relativa à entrega de planilha de custos pelas escolas.

Assim, num primeiro momento, pode-se entender que exista um consenso entre os órgãos públicos a respeito do dever das escolas apresentarem planilhas de custos detalhadas de suas operações a todos os consumidores que quiserem negociar descontos neste momento de pandemia. Mas será que as normas do sistema jurídico do país corroboram este entendimento?

Primeiramente, podemos encontrar, no art. 1º, § 3º da Lei nº 9.870/99 – norma que trata das anuidades escolares -, previsão de que ao valor das anuidades ou semestralidades poderá ser acrescido de “montante proporcional à variação de custos a título de pessoal e de custeio, comprovado mediante apresentação de planilha de custo, mesmo quando esta variação resulte da introdução de aprimoramentos no processo didático-pedagógico”.

O art. 2º da mesma lei dispõe que “O estabelecimento de ensino deverá divulgar, em local de fácil acesso ao público, o texto da proposta de contrato, o valor apurado na forma do art. 1o e o número de vagas por sala-classe, no período mínimo de quarenta e cinco dias antes da data final para matrícula, conforme calendário e cronograma da instituição de ensino” (grifamos).

Ou seja, a lei federal que menciona planilha de custo determina que as escolas tem obrigação de apresenta-la para fins de justificar o aumento de suas mensalidades. E que devem divulgar (“em local de fácil acesso ao público“) o “valor apurado” nessa planilha. Não fala, portanto, de obrigação de apresentação da planilha como um todo em qualquer momento do ano letivo e mediante mera solicitação dos pais e mães.

Não há, portanto, nenhuma determinação legal que explicitamente obrigue as escolas a disponibilizarem tais planilhas aos seus clientes da forma como vem sendo divulgado nas notas do MPF e de vários Procons ao redor do país. Qual seria então a fundamentação dessas orientações proferidas por nossos órgãos de defesa do consumidor?

Em nosso entendimento, tais determinações decorrem de interpretação do chamado princípio da informação e da transparência previsto no art. 6º, inciso III do Código de Defesa do Consumidor – que rege a relação entre escolas e famílias. Segundo este princípio, é direito básico do consumidor “a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem“.

Contudo, assim como as escolas, todos os outros fornecedores de produtos e serviços no mercado consumidor ficam sujeitos às normas do CDC. E, se assim for, a interpretação do princípio da transparência para obrigar as escolas a fornecer planilhas detalhadas de suas operações a qualquer tempo e a qualquer cliente também deveria ser aplicada aos demais fornecedores – o que evidentemente não ocorre.

Portanto, entendemos que não há fundamentação jurídica suficiente para justificar esta determinação.

A negociação entre escolas e famílias deve sim pautar-se pela boa-fé e transparência, mas tais princípios devem nortear a atuação de ambas as partes. Assim como as escolas não podem exigir a apresentação de documentos sigilosos por parte dos consumidores (como inclusive previu o Termo de Entendimento firmado entre Procon-SP e Sieeesp  em 11/05/2020), da mesma forma estes devem abster-se de se imiscuir em informações e documentos sigilosos das escola.

Até porque, não se pode olvidar a relevância estratégica de tais dados. Não é interessante para as instituições de ensino que os números de sua receita ou despesas com investimentos em aprimoramentos no processo didático-pedagógico, como diz a própria Lei nº 9.870/99, tornem-se acessíveis a qualquer pessoa – ou mesmo que circulem e atinjam um imprevisível número de público, diante do alcance das redes sociais.

Ainda que, conforme previsto no Decreto nº 2.181/97, os Procons possam fiscalizar, apurar e até multar fornecedores que desrespeitem a legislação consumerista, suas competências (assim como as do MPF) não abrangem a criação de novas normas.

Portanto, ausente lei explícita a respeito da obrigação de disponibilização de planilhas de custo a consumidores por parte das escolas no momento de negociação de descontos, este dever só poderá ser considerado existente mediante interpretação normativa – a qual, obviamente, pode ser questionada no Poder Judiciário.

Concluindo, as escolas possuem as seguintes obrigações legais: (i) produzir planilhas de custo detalhadas, conforme previsto no Decreto nº 3.274/99 (que regulamentou a Lei de nº 9.870/99) (ii) apresenta-las para fins de justificar eventuais aumentos de anuidades; (iii) manter disponível, em local de fácil acesso, o valor apurado em suas planilhas, ou seja, o valor de sua anuidade; (iv) durante negociação de descontos em mensalidades, fornecer as planilhas apenas e tão somente para órgãos públicos, se forem por eles intimadas, hipótese em que sugerimos seja solicitada a decretação de sigilo para proteção de informações confidenciais.

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